Nossos sentidos são portais? Portais para o quê?
Ora eles nos conduzem a estados de consciência alterados, ora
eles nos distraem, nos fazendo perder o bafo mais quente e úmido da vida. Os
sentidos podem ser como um mantra nos conduzindo a estados meditativos. Por
exemplo, ao colocarmos plena atenção num som da natureza temos a possibilidade
de, gradativamente, aquietar nossa mente, e escorregarmos para o salão secreto do
nosso inconsciente, ou a integração serena com a natureza (a nossa natureza).
Infelizmente, quase sempre, e ao longo de toda a vida, eles
são instrumentos de distração. Usamos nossa
audição, por exemplo, para escutar todo tipo de ruído externo, porém, muito
pouco para a percepção dos nossos ruídos internos, nossas próprias falas
desconexas e desalinhadas, muito pouco para detectar nossas incoerências (Veja,
longe de fazer um julgamento sobre a incoerência. Alguns dirão, “Sou incoerente.
Não tenho compromisso com a coerência”. Ok. Tudo bem. Mas você sabe identificá-las?
Já farejou sobre o teor de suas incoerências? Elas dizem muito sobre você! E se
você, na maior parte do tempo, não se sente pleno, sinto dizer, mas é sadio que
você as dissolva, para o seu próprio bem.).
O que dizer da visão?! Como ela nos incentiva à grande cilada
do julgamento! Vejo, logo julgo.
E por aí vamos... Um sem fim.
O filme Sentidos do
amor, toca nessa questão. Narra uma pandemia, onde os humanos vão,
gradativamente, perdendo seus sentidos: olfato, paladar, audição e, finalmente,
a visão.
Mas perder um, dois, três sentidos, não é suficiente para o
despertar em relação ao “piloto automático” que a humanidade vive, porque eis que se
apresenta uma outra habilidade humana, também muito mal compreendida, sua
capacidade de ADAPTAÇÃO. Uma adaptação muito mais identificada com a acomodação
do que com a resiliência. É dizer: perco o olfato, mas... Que diferença faz? O
uso que faço dele é tão raso, que não me faz tanta falta. Reservo tão pouco
tempo para me deliciar com o perfume que exala do jardim que cruzo semanalmente,
da comida que me sirvo diariamente, da pele da pessoa amada que adormece todas
as noites ao meu lado.
Logo perco o paladar, e novamente, da perspectiva supérflua de
sua apropriação, é questão de tempo para que eu nem me lembre que um dia,
remoto, saboreei a rosquinha frita da vovó quando chegava, criança faminta, do
clube; que o sabor do primeiro beijo foi um pouco estranho e inesperado; que a
água com ervas desceu refrescante e harmônica com o menu servido no almoço.
Em seguida, perdemos a audição. Deixamos de escutar o outro;
agora literalmente!
Não sei exatamente quando a “ficha” da humanidade começa a
cair, mas nesse ponto do filme (da não escuta), começamos a farejar, de forma
mais evidente, onde isso tudo vai dar. E é num lapso de tempo muito curto,
entre o não escutar e a espreita da escuridão (perderemos a visão) que nos
damos conta de um sentido sutil, imaterial, que me liga ao outro. Um sentido
sublime, que pode ser a fusão de todos estes sentidos, potencializados. Nesse
limite entre a terra firme e o abismo, experimentamos um Encontro, a totalidade
do nosso ser.
Parece que é na falta, no vazio, que reconhecemos o todo que
somos.
Os personagens principais do filme, correm desesperadamente,
para aquela última chance de um abraço sob a luz da visão – metáfora incrível
do nosso mergulho no Todo.
“São os teus braços,
dentro dos meus braços. Via Láctea fechando o infinito” - Florbela Espanca
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“Sentidos do Amor” é
uma produção britânica, vencedora no Ediburgh Film Festival.
Estimada Vanessa, sei da qualidade da sua escrita e das suas percepções, a tirar pelas resenhas anteriores aqui mesmo postadas, mas desta feita você superou o seu próprio padrão, foi além, foi profunda sendo concisa, foi sutil sendo incisiva. Muito impactante o seu texto sobre o filme Perfect Sense. Rendo-lhe, pois, elogios e a minha homenagem!
ResponderExcluirE, claro, irei oportunamente replicar a resenha no meu blog, como já o fiz em ocasiões passadas.
Continue a nos presentear com essas suas belas críticas cinematográficas.
Um forte abraço.
Olá Dattoli! Bom tê-lo por aqui novamente. Melhor ainda saber que gostou e se sentiu motivado a assistir a obra. O filme se encontra no Netflix. Talvez valha a pena divulgar essa informação (de acesso ao filme) em seu blog. Um grande abraço.
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